AEH no Portal do Dr. Drauzio Varella
ANGIODEMA PODE SER
CONFUNDIDO COM ALERGIA
Juliana
Conte
Imagine acordar um
dia com os lábios tão inchados que seu rosto assume um aspecto desfigurado. Ou
então ficar com os pés edemaciados a ponto de não conseguir
andar. Ao procurar um pronto-socorro achando que pode estar
com alergia a um medicamento ou alimento, você recebe altas doses de
antialérgicos, corticoides e epinefrina que não alteram o quadro clínico.
Após alguns dias, o inchaço persiste, mas você não sente dor. Quem passa por
isso tem risco de ter uma doença pouco conhecida chamada angiodema hereditário
(AEH).
O organismo do portador dessa enfermidade rara não possui uma proteína
específica denominada inibidor de C1-esterase. Todos nascemos com a proteína,
que ajuda a regular diversas reações do organismo, inclusive as inflamatórias.
Nos portadores de AEH, as reações inflamatórias acontecem sem
interrupção justamente porque o organismo não tem o inibidor do sistema
inflamatório e libera no sangue, de maneira descontrolada, uma substância
chamada bradicinina que ocasiona os edemas. Com isso, as crises podem durar em
média até cinco dias, dependendo de cada indivíduo. A pessoa não
apresenta febre, somente uma mudança de temperatura no local do inchaço,
que fica mais quente por causa do próprio edema.
A médica especialista em alergia e imunologia dra. Anete Grumach explica
que a prevalência da doença na população é de 1 para cada 50 mil indivíduos,
portanto a doença é rara. Ainda assim, segundo o censo da Abranghe (Associação
Brasileira de Portadores de Angioedema Hereditário), já foram cadastradas no
Brasil 845 pessoas com a enfermidade. Um indivíduo com AEH tem 50% de
probabilidade de transmitir a doença a um filho.
“O inchaço pode ocorrer nos tecidos subcutâneos das mãos, dos pés, da
face e dos órgãos genitais, bem como nas mucosas do trato gastrintestinal, da
laringe e de outros órgãos internos, como por exemplo, o intestino”, diz a
médica.
O edema abdominal causa bastante dor e na grande maioria das vezes é
diagnosticado como apendicite ou até mesmo verminose. “Muitos pacientes vão
para a mesa de cirurgia como se tivessem apendicite. Os médicos abrem [o
abdômen] e não encontram nada, somente um inchaço. Fizemos uma pesquisa com os
portadores e aproximadamente 6% foram submetidos a cirurgias desnecessárias”,
explica Grumach.
Foi o que aconteceu com Raquel de Oliveira Martins, presidente da
Abranghe. Ela costumava dar entrada nos hospitais com fortes dores abdominais e
os médicos sempre lhe receitavam remédio para tratar verminose. Às vezes a
doença se manifestava por meio de edemas nas mãos e no rosto,
que surgiam sem motivo e eram diagnosticados como processo alérgico de
causa desconhecida. Levou alguns anos até que, finalmente, em 1973, um
especialista do Hospital das Clínicas de São Paulo descobriu o que ela de fato
tinha.
Uma das filhas de Raquel, Renata, também tem AEH. Ainda assim, apesar
dos cuidados que a doença exige, ela conta que é possível levar a vida
normalmente.
“Minha filha apresentou os primeiros sintomas aos cinco anos de idade,
mas isso não a impediu de seguir em frente. Ela nunca faltou à escola por causa
da doença. Na época, ela gostava muito de jogar vôlei, então sempre tinha
inchaço nos pés e nas mãos depois dos jogos. Hoje ela faz até caminhada, mesmo
sabendo que os pés ficarão inchados no fim. Já até correu uma maratona. Mas não
reclama e não deixa de fazer o que gosta por causa disso. Existem medicamentos
que controlam e aliviam as crises, mas ainda assim, não é possível evitá-las”,
revela Raquel.
É por isso que atividades que tenham algum impacto físico, como, por
exemplo, praticar exercícios, ir ao dentista ou tomar um simples sorvete
podem ser “perigosos” para um portador de angioedema. Isso porque as
crises têm desencadeantes variados, que vão desde a um trauma físico, estresse,
infecções até TPM (tensão pré-menstrual).
“É preciso evitar tomar sorvete para não agredir a garganta, por conta
das crises que podem acometer a região da laringe. Se isso acontecer, o risco
de morrer asfixiado é enorme”, relata Raquel.
Apesar do AEH não ter cura, é possível controlá-lo. O tratamento
inicial é preventivo. Pode-se, por exemplo, estimular a produção da proteína
com hormônios para evitar o surgimento do inchaço. Já nas crises é possível
controlar a dor abdominal e/ou diminuir o risco de asfixia repondo a proteína
faltante ou não funcionante, porém, o medicamento que cumpre essa função só
estará disponível no Brasil em agosto deste ano.
Há também um medicamento que atua como inibidor do receptor de
bradicinina, que age rapidamente para tratar as crises agudas.
Publicado em 16/05/2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário