18/01/10, 20:16
Manuel Branco Ferreira; Imunoalergologista - Hospital de Santa Maria ; Professor Convidado da Faculdade de Medicina de LisboaHá pessoas que, totalmente sem aviso, aparecem de repente com uma mão ou um pé inchado ou com a cara desfigurada por inchaço a nível dos lábios ou dos olhos. Este inchaço resulta da passagem de soro da corrente sanguínea para os tecidos das áreas afectadas.
Quando é só uma vez pensamos tratar-se de um traumatismo ou de uma picada de um qualquer insecto ou mesmo de uma reacção alérgica a um alimento ou a um medicamento.
O problema é quando os episódios se repetem muitas vezes ou quando o inchaço atinge a parede do intestino, podendo causar dores abdominais muito intensas (cólicas abdominais), ou quando atinge a região da laringe, em que o inchaço ou edema da glote pode inclusivamente ser fatal.
O que a maior parte das pessoas (e até muitos profissionais de saúde) desconhece é que há uma doença relativamente rara, de transmissão hereditária (portanto normalmente com mais membros da família com queixas semelhantes) em que existe um deficit numa proteína do nosso organismo que é responsável por esta situação, designada por Angioedema por défice de C1-inibidor, devido a um defeito genético no cromossoma 11, local onde é codificada a proteína C1-inibidor.
Devido ao desconhecimento, estes doentes são muitas vezes rotulados erradamente de alérgicos, embora na realidade não o sejam, recebendo tratamento com antihistamínicos e derivados da cortisona sempre que se dirigem a um serviço de urgência pelo aparecimento destas queixas, sem que esse tratamento surta algum efeito.
Também por vezes, e por as dores abdominais serem tão intensas que se assemelham a uma apendicite ou a uma peritonite, estes doentes chegam a ser operados desnecessariamente.
É importante pois conhecer-se esta situação para se evitar males desnecessários, tendo sempre que se pensar nesta possibilidade quando existem estes episódios repetidos de inchaços nas diversas localizações e, em especial, se outros membros da família tiverem quadros semelhantes.
Uma outra razão pela qual é importante abordar este assunto prende-se também com o seu tratamento. Até há alguns anos atrás não existia tratamento muito eficaz para estas crises, o qual era baseado num tratamento sintomático até esperar que a crise passasse, durando habitualmente dois ou três dias. Desde há cerca de oito anos existe disponível em alguns hospitais do nosso país um produto que é derivado do plasma humano (obtido portanto a partir de dadores de sangue) e que é o concentrado de C1 inibidor, cujo uso compensa o deficit que estes indivíduos possuem. Apesar de ser considerado seguro não deixa de ser um derivado do plasma humano, apresentando também a desvantagem de ter de ser administrado por via endovenosa e, portanto, normalmente apenas em meio hospitalar.
Contudo, no ano passado surgiu um novo medicamento chamado icatibant, que não é derivado do plasma e que é administrado por via subcutânea e que começa a actuar na crise em alguns minutos.
Este fármaco, que foi utilizado pela primeira vez em Portugal em Novembro de 2009, representa uma oportunidade terapêutica, principalmente quando for aprovado a sua utilização em auto-administração já que estes doentes vivem em pânico constante de ter uma crise e irem parar a um hospital onde ninguém conhece a sua doença e ninguém a tratar correctamente, muitas vezes apesar de instruções escritas pelos imunoalergologistas assistentes (isto claro quando a doença já foi correctamente diagnosticada).
E é também um exemplo de como os avanços da Medicina, embora por vezes lentos, podem melhorar muito consideravelmente a qualidade de vida de alguns indivíduos.
Fonte: oje.pt/especiais/mais-saude/angioedema-recorrente
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