terça-feira, 9 de agosto de 2011

Angioedema - Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas

Portaria SAS/MS no 109, de 23 de abril de 2010. (Republicada em 23.04.10)

1 METODOLOGIA DE BUSCA DA LITERATURA
Em revisão nas bases de dados Medline/Pubmed e Embase, usando-se a estratégia de busca
“angioedema, hereditary”[Mesh] AND “drug therapy”[Mesh] e restringindo-se a ensaios clínicos, metanálises e ensaios clínicos randomizados, foram revisados e incluídos neste protocolo todos os artigos identificados.
Adicionalmente, foi realizada revisão no Medline/Pubmed sobre a eficácia e a segurança do uso de agentes antifibrinolíticos no tratamento do angioedema hereditário. A estratégia de busca utilizada foi“angioedema, hereditary”[Mesh] AND “antifibrinolytics agents”[Mesh], restringindo-se a ensaios clínicos,metanálises e ensaios clínicos randomizados. Todos os artigos identificados foram revisados, sendo incluídos aqueles que versavam sobre angioedema e sua terapia com danazol.
As bibliografias dos artigos incluídos também foram revisadas, e artigos não indexados também foram incluídos. Outras fontes consultadas foram livros-texto e o UpToDate, versão 17.3.
2 INTRODUÇÃO
Angioedema hereditário (AEH) é uma doença genética causada pela atividade deficiente do inibidor da C1 esterase (C1-INH), molécula natural inibidora de calicreína, de bradicinina e de outras serases do plasma.
É classificado como uma imunodeficiência primária do sistema complemento, com herança autossômica dominante e expressividade variável; o gene responsável está localizado no cromossomo 111-10. História familiar positiva fortalece a suspeita diagnóstica, mas sua ausência não exclui o diagnóstico. Não há estudos de prevalência de AEH no Brasil. Estima-se que 1:10.000-50.000 indivíduos sejam afetados pela doença7.
AEH manifesta-se com o surgimento de edema não pruriginoso, não doloroso e não eritematoso em qualquer parte do corpo, principalmente na face e nas extremidades1,2, e afeta os sistemas respiratório e gastrointestinal, podendo desencadear edema de glote e/ou cólicas abdominais respectivamente. O
comprometimento da respiração pode resultar em asfixia e, se não tratado, pode ser responsável pelo óbito
em cerca de 25% dos pacientes. Ainda, as cólicas abdominais podem ser interpretadas como abdômen agudo e muitos pacientes acabam sendo submetidos a laparotomia exploradora desnecessariamente. As crises podem ser espontâneas ou desencadeadas por ansiedade, estresse, pequenos traumas, cirurgias, tratamentos dentários, menstruação ou gravidez1-4.
A suspeita de AEH deve ser considerada em pacientes com crises repetidas de angioedema e de dor abdominal sem quadros de urticária6. AEH pode ser classificado em tipo 1 (defeitos quantitativos do C1-INH), tipo 2 (defeitos funcionais do C1-INH) e tipo 3 (C1-INH é normal, mas se relaciona, em um terço dos casos,com deficiência de fator XII)11. A forma mais comum é a tipo 1, ocorrendo em 85% dos casos, com níveis plasmáticos de C1-INH usualmente reduzidos em 5% - 30% do normal. Alguns pacientes, entretanto, podem
apresentar níveis entre 30% - 50%. No tipo 2, o C1-INH permanece com níveis séricos normais ou mesmo elevados, sendo diagnosticado mediante demonstração de que sua atividade está abaixo de 50% do normal11.
Angioedema adquirido (AEA) ocorre por redução de C1-INH resultante de sua clivagem por
autoanticorpos ou por uma anormalidade estrutural de C1-INH, levando à ligação com a albumina, formando complexos inativos e favorecendo o consumo excessivo desta serinoprotease4,8. O diagnóstico diferencial entre AEH e AEA pode ser feito através da dosagem da fração C1q do complemento, a qual se encontra reduzida no AEA. Neste caso, devem ser investigadas doenças de base, como as linfoproliferativas. O tratamento
de AEA envolve o tratamento da doença de base; entretanto, quando o paciente apresentar episódios muito frequentes ou graves de angioedema, danazol pode ser indicado.
AEH pode ser distinguido clinicamente de outras formas de edema pelas seguintes características: início rápido (minutos a horas), distribuição assimétrica e em áreas não dependentes e envolvimento dos lábios,laringe e intestino. O diagnóstico diferencial deve ser feito com angioedema comum não hereditário (alérgico),linfoedemas, macroqueilia da síndrome de Melkerson-Rosenthal e outros edemas de origem cardíaca e renal1.
3 CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À
SAÚDE (CID-10)
• D84.1 Defeito no sistema complemento
4 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de AEH tipos 1 e 2 é obtido pela presença dos seguintes critérios:
• anamnese, exame físico e quadro clínico compatível com AEH;
• constatação laboratorial de ausência ou redução (< 50%) ou de defeito funcional de C1-INH(função <50%), de redução do complemento hemolítico total (CH50) e de diminuição da fração C4 do complemento. Deve-se ressaltar que C4 e CH50 podem encontrar-se normais fora das crises.
Como C1-INH é normal no AEH tipo 3, o diagnóstico é baseado principalmente em achados de anamnese e exame físico. A história clínica deve ser semelhante à dos AEH tipos 1 e 2, sendo que, em pacientes do sexo feminino, é comum o relato de utilização de anticoncepcionais hormonais. Para confirmação do diagnóstico, os casos suspeitos podem ser avaliados e acompanhados em serviço especializado de Imunologia.
O diagnóstico de AEA, por sua vez, é baseado em achados clínicos semelhantes àqueles encontrados no AEH, embora história familiar positiva não seja frequente. Do ponto de vista laboratorial, também deve ser constatada a ausência ou redução (< 50%) de C1-INH, redução do complemento hemolítico total (CH50) e diminuição da fração C4 do complemento. Deve-se ressaltar que C4 e CH50 podem encontrar-se normais fora das crises.
5 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Serão incluídos neste protocolo de tratamento os pacientes que apresentarem diagnóstico confirmado de AEH tipos 1, 2 ou 3, conforme critérios especificados no item Diagnóstico, e ocorrência de mais de um episódio de angioedema em menos de 3 meses, bem como pacientes com AEA que apresentarem episódios muito frequentes ou graves e que também poderão ser tratados com danazol.
6 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Serão excluídos deste protocolo de tratamento os pacientes que apresentarem pelo menos um dos critérios abaixo:
• mulheres com sangramento genital de origem desconhecida;
• disfunção grave hepática, renal ou cardíaca, pois o uso de danazol pode causar ou agravar uma disfunção hepática, ocasionar hepatoma ou hepatocarcinoma e agravar a hipertensão arterial;
• gravidez ou amamentação, devido à possibilidade de ocorrência de efeitos androgênicos no sexo feminino;
• porfiria;
• hipersensibilidade ou intolerância ao medicamento;
• neoplasia de próstata.
Caso o médico responsável opte pela liberação do uso de danazol em alguma das situações acima mesmo considerando o alto risco associado, o paciente deverá ser informado dos possíveis efeitos adversos, e o médico deverá encaminhar laudo justificando a prescrição.
7 CASOS ESPECIAIS
Os pacientes com AEH ou AEA expostos a situações que possam desencadear um evento grave, tais como manipulação da cavidade bucal para cirurgia odontológica ou manobras endoscópicas, devem utilizar danazol com intuito profilático, conforme orientação constante do item Esquema de Administração12-23.
8 TRATAMENTO
O tratamento do AEH pode ser subdividido em:
• tratamento das crises;
• profilaxia a longo prazo das crises;
• profilaxia a curto prazo das crises.
Por ser uma doença genética, também está indicada realização de aconselhamento genético
por médico geneticista.
O tratamento das crises é predominantemente hospitalar, não sendo, portanto, alvo deste
PCDT. O tratamento, neste caso, não inclui o uso de danazol7,9,18. Se houver risco de asfixia, pode-se utilizar plasma fresco.
Já foram usados na profilaxia das crises andrógenos atenuados e agentes antifibrinolíticos: ácido épsilon aminocaproico (inibidor da plasmina) e ácido tranexâmico (inibidor da ativação do plasminogênio), com maior eficácia dos andrógenos7-18.
Entre os andrógenos atenuados, danazol é o T mais utilizado, pelo nível de evidência. Ensaio clínico duplo-cego com 9 pacientes comparou 93 cursos de 28 dias de danazol com placebo em pacientes com AEH. As crises ocorreram em 93,6% dos cursos com placebo contra 2,2% de danazol (P < 0,001).
Análise do efeito de danazol demonstrou que as crises ocorreram mais tardiamente nos pacientes durante um curso de placebo precedido de um curso de danazol (média de 14 dias contra 9 dias se precedido de placebo: P < 0,05). Não houve diferença de efeitos adversos nos dois grupos (cursos)16.
Considerando a magnitude do efeito nesse ensaio clínico, danazol continua sendo o medicamento de primeira escolha para a prevenção de novas crises. As contraindicações para seu uso são:
• gravidez;
• amamentação;
• insuficiência renal, hepática ou cardíaca;
• neoplasia de próstata.
Nos casos acima, o médico responsável pelo paciente deve ponderar os riscos e benefícios de seu uso.
O paciente deve ser monitorizado pela possibilidade de desenvolver adenoma hepático e
hipertensão intracraniana benigna (pseudotumor cerebral) após o uso prolongado deste fármaco23.
É controversa a associação entre uso de danazol e risco aumentado de aterosclerose24,25,26. Estudos
de acompanhamento de longo prazo de pacientes utilizando danazol demonstraram que o benefício da prevenção de crises é maior em casos mais graves e que a monitorização de efeitos adversos deve ser mandatória14,15. Farkas e cols.27, em um estudo longitudinal e retrospectivo, avaliaram 92 pacientes com AEH, sendo 46 em uso de danazol (dose diária de manutenção: 33-200 mg/dia) e 46 sem tratamento, por um período mínimo de 4 anos, não sendo encontradas, entre os dois grupos, diferenças clinicamente relevantes nos parâmetros de função e de ultrassonografia hepática. Os autores sugerem que o desenvolvimento de tumores hepáticos relacionados ao uso de danazol está associado a doses diárias mais elevadas (400-800 mg), à falta de monitorização dos pacientes e ao maior tempo de uso (neste caso, independentemente da dose), e chamam a atenção para a necessidade de definição da menor dose clinicamente eficaz.
Dada a raridade da situação clínica, os estudos com outros medicamentos além do danazol,
inclusive inibidores da plasmina e da ativação do plasminogênio, são metodologicamente limitados28. A busca realizada não encontrou ensaios clínicos randomizados contra placebo (ou contra danazol) envolvendo o ácido épsilon aminocaproico. Em relação ao ácido tranexâmico, foi localizado um único ensaio clínico contra placebo, do tipo cruzado e duplo-cego, envolvendo este medicamento. Tal estudo incluiu 5 pacientes,
com efeito positivo em 3 deles29. Assim, danazol permanece como o medicamento melhor estudado nesta condição clínica e, por isso, recomendado neste protocolo como agente profilático das crises de AEH.
Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
8.1 FÁRMACO
Danazol: cápsula de 50, 100 e 200 mg
8.2 ESQUEMA DE ADMINISTRAÇÃO
Danazol: 200 mg, por via oral, divididos em 2 administrações diárias, durante o primeiro mês. Após, a dose deve ser ajustada conforme resposta clínica e laboratorial (ver Monitorização).
Se o paciente com AEH for exposto à situação potencialmente desencadeadora de crise, danazol deve ser administrado nas 2 semanas que antecedem o procedimento, com o dobro da dose utilizada para controle clínico.
8.3 TEMPO DE TRATAMENTO − CRITÉRIO DE INTERRUPÇÃO
O tratamento deve ser mantido continuadamente. A menor dose deve ser estabelecida para o controle dos sintomas clínicos e minimização dos efeitos adversos. Na presença de tumores hepáticos, o tratamento deve ser interrompido.
8.4 BENEFÍCIOS ESPERADOS
• Redução do número e/ou da gravidade das manifestações de angioedema
9 MONITORIZAÇÃO
Após o primeiro mês de tratamento, deve-se avaliar a resposta clínica (ausência de evento agudo) e laboratorial (atividade de C1-INH em aproximadamente 50% do valor normal e C4 dentro dos valores normais).
Se o resultado inicial for satisfatório, deve-se reduzir a dose de danazol para a menor dose capaz de controlar os sintomas clínicos. Se o resultado for insatisfatório, a dose diária pode ser aumentada até o máximo de 600 mg.
Efeitos androgênicos, como mudança de voz, acne, aumento de pelos, irregularidade menstrual, acúmulo de gordura, entre outros, devem ser acompanhados.
Em relação aos efeitos adversos, devem ser avaliados hematócrito, hemoglobina, AST, ALT, gama-GT, fosfatase alcalina, colesterol total e frações, triglicerídios e realizado exame qualitativo de urina a cada 6 meses.
Sugere-se ultrassonografia abdominal anual para visualização hepática, devido ao risco de desenvolvimento de tumor hepático.
Em pacientes que estiverem fazendo uso de danazol e carbamazepina, podem ocorrer significativos aumentos dos níveis de carbamazepina com resultante toxicidade. Deve-se evitar o uso de inibidores da angiotensina e estrogênios, por serem potencialmente desencadeadores de crises.
10 REGULAÇÃO/CONTROLE/AVALIAÇÃO PELO GESTOR
Os pacientes devem ser diagnosticados em serviços especializados em Imunologia ou Genética. Devem ser observados os critérios de inclusão e exclusão de pacientes neste protocolo, a duração e a monitorização do tratamento, bem como a verificação periódica das doses prescritas e dispensadas e a adequação de uso do
medicamento.
11 TERMO DE ESCLARECIMENTO E RESPONSABILIDADE − TER
É obrigatória a informação ao paciente ou a seu responsável legal dos potenciais riscos, benefícios e efeitos adversos relacionados ao uso do medicamento preconizado neste protocolo. O TER é obrigatório ao se prescrever medicamento do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica.
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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